segunda-feira, 15 de junho de 2009

Fragmentos de "Villa Rica"

Vila Rica - Canto VI

"Levados de fervor, que o peito encerra Vê os Paulistas, animosa gente,
Que ao Rei procuram o metal luzente
Co as próprias mãos enriquecer o erário.
Arzão é este, é este, o temerário,
Que da Casca os sertões tentou primeiro:
Vê qual despreza o nobre aventureiro,
Os laços e as traições, que lhe prepara
Do cruento gentio a fome avara.
A exemplo de um contempla iguais a todos,
E distintos ao rei por vários modos
Vê os Pires, Camargos e Pedrosos,
Alvarengas, Godóis, Cabrais, Cardosos,
Lemos, Toledos, Paes, Guerras, Furtados,
E os outros, que primeiro assinalados
Se fizeram no arrojo das conquistas,
Ó grandes sempre, ó imortais Paulistas!
Embora vós, ninfas do Tejo, embora
Cante do Lusitano a voz sonora
Os claros feitos do seu grande Gama;
Dos meus Paulistas honrarei a fama.
Eles a fome e sede vão sofrendo,
Rotos e nus os corpos vem trazendo,
Na enfermidade a cura lhes falece,
E a miséria por tudo se conhece."

Vila Rica - Canto VI

"Terifea a ocasião julga oportuna,
Põe os olhos no Céu, alta coluna
Levanta, e firma em terra;
já sobre ela se ergue e murmura e nota cada estrela
Com o dedo, depois desce e riscando
Muitas vezes em roda, vai tocando
A coluna, que treme e que se move:
Tolda-se em sombra o ar, troveja e chove:
E o tronco de entre a nuvem que o cobrira,
Sai figurando um tigre, que respira
Fogo e veneno pelos olhos; passa
Com ele ao monte, e o guia onde a caça
Se tenta e busca; aqui dormia Aurora;
Dormia; e junto aos pés branda e sonora
Fontesinha o repouso convidava;
O peito em grande parte debruçava
Sobre uma penha, e ao gesto brando e lindo
De encosto o mole braço está servindo,
Chega a Maga cruel, põe-lhe diante
A fera, que conduz, e ao mesmo instante
Se oculta em parte, onde o sucesso veja:
O cuidado de a ver, ou fosse a inveja
Aquele sítio encaminhava os passos
Do destemido Argasso; entre embaraços
De mal distintos ramos já descobre
O mosqueado tigre, ao braço nobre
O crê despojo, e de matá-lo espera,
Firme o pé desde longe aponta a fera,
E atrás puxando o braço a seta envia,
Que vai cravar no monstro a ponta fria.
Corre gritando, ó Césa, e vê passado
De Aurora o peito; em vão busca assombrado
O tigre, que não há: já desfalece
A pouco e pouco a bela: a mágoa cresce
No mísero homicida, clama e grita,
Atroa aos Céus, e contra os Céus se irrita,
Nem mais a vida, que estimara, preza;
Arroja o arco, e à infeliz beleza
Consagra de seu corpo o último resto."

Vila Rica - Canto VII

"Ouve Garcia o canto, e não atina
De onde tanto prodígio, mas de Eulina
A delicada face está patente:
Fita os olhos, e vê desde a corrente
Lançar a mão à praia a Ninfa bela,
Toma uma areia de ouro, e já com ela
Pulveriza os cabelos: neste instante,
O sonho de Albuquerque o faz avante
Passar, os braços abre, a Ninfa chama;
Ela o vê, e não teme, e já se inflama
De amor por ele: aos braços o convida,
E abrindo o seio o rio, uma luzida
Urna de fino mármore os sepulta
Recebendo-os em si: ficou oculta
A maravilha a quantos o acompanham.
Em busca de Garcia já se entranham
Pelo matos mais densos; mas perdida
A esperança de achá-lo, e recolhida
Volta ao herói a esquadra aventureira."

Vila Rica - Canto VII

"Estamos, disse, em uns países novos,
Onde a polícia não tem ainda entrado,
Pode o rigor deixar desconcertado
O bom prelúdio desta grande empresa.
Convém que antes que os meios da aspereza
Se tente todo o esforço de brandura.
Não é destro cultor, o que procura
Decepar aquela árvore, que pode
Sanar, cortando um ramo, si lhe acode
Com sábia mão a reparar o dano;
Para se radicar do soberano
O conceito, que pede a autoridade,
Necessária se faz uma igualdade
De razão e discurso; quem duvida,
Que de um cego furor corre impelida
A fanática idéia desta gente?
Que a todos falta um condutor prudente
Que os dirija ao acerto?
Quem ignora
Que um monstruoso corpo se devora
A si mesmo, e converte em seu estrago
O que pensa e medita? Ao brando afago
Talvez venha ceder: e quando abuse
Da brandura, e obstinados se recuse
A render ao meu Rei toda a obediência,
Então porei em prática a violência;
Farei que as armas e o valor contestem
O bárbaro atentado; e que detestem
A preço do seu sangue a torpe idéia.
Disse; e deixando a todos a alma cheia
De uma nobre esperança, já passava
A saber de Garcia, nem lhe dava
Notícia dele algum dos três Pereiras."


Um comentário:

  1. Parabéns a vocês pelo excelente blog.
    Muito legal mesmo.

    Forte Abraço e muito sucesso.
    Everton

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