quarta-feira, 17 de junho de 2009

Aventuras de Diófanes e Poema Épico-Trágico

Teresa Margarida da Silva e Orta escreveu as Aventuras de Diófanes, também chamado de Máximas de Virtude e Formosura, em meados do século XVIII. A publicação desta obra data de 1752 em sua primeira edição. Em 1790 saiu a terceira edição mas, dessa vez, a obra veio sob o nome de Alexandre de Gusmão, um amigo da autora já falecido. Para maiores esclarecimentos a respeito, vale considerar o estudo de Sofia de Melo Araújo, cujos fragmentos abaixo são bastante esclarecedores:

“Muitos são os motivos apontados para que a já quase octogenária Teresa Margarida permitisse que a terceira edição do texto hoje aceite como seu, de 1790, viesse a público em nome do seu amigo íntimo Alexandre de Gusmão, já por então falecido – Maior aceitação de um autor masculino? Estratégia comercial visando o pres­tígio do autor? Co-autoria? Homenagem póstuma dada a partilhada paternidade efetiva dos ideais expostos? Infelizmente, teremos que nos render a que, até à desejada submissão do fio do tempo ao tecer humano, do passado nada mais temos que os textos que os homens de então escolheram (ou puderam) legar-nos. Assim, creio ser esté­ril a discussão de intenções neste ato. Igualmente infrutífera, mais competitiva que científica, me parece a querela entre os defensores de Aventuras de Diófanes como obra brasileira (dada a nacionalidade de Orta), portuguesa (dada a sua vivência quase exclusivamente em Portugal) ou luso-brasileira (numa espécie de terreno misto, assente nas condições políticas do Brasil colônia do século XVIII), discussão alimentada muito em torno da apresentação da própria como ‘estran­geira’.

(...) Mais interessante será, então, creio, a questão de voz autoral, en­quanto realidade múltipla e paleta de distintas intensidades. De fato, e aceitando Teresa Margarida como a mão que delineou as palavras de Aventuras de Diófanes, muitas são as vozes que ecoam no texto: desde logo o já nomeado Alexandre Gusmão, estrangeirado, escrivão de D. João V e peça fundamental no Tratado de Madrid, como documenta Jaime Cortesão, amigo e mentor de Teresa; também, mais ao longe, conseguimos ouvir ecos de Luís António Verney e da sua defesa da importância da educação feminina, embora apenas enquanto meio para o fim de uma melhor cidadania das crianças educadas pelas mu­lheres; o próprio texto reclama a voz de Fénelon no seu Aventures de Télémaque; perpassam o texto as vozes iluminadas de Voltaire, Diderot, Montesquieu, Rousseau...; mas ecoa, sobretudo a voz de uma mulher muito especial que é ela mesma um símbolo emancipado das/pelas Luzes, a própria Teresa Margarida que aos treze anos se apaixona por um homem mais velho e decide tomar as rédeas da sua vida por forma a conduzi-la rumo à felicidade, que aos 16 anos aceita ser de­serdada e foge com o homem que ama, que toda a vida não permite a pai, irmão, marido, filhos, rei ou carcereiro que lhe coloquem grilhões na Alma, no Coração, na Razão ou na Voz.” (ARAÚJO, 2006.)

O Poema Épico-Trágico foi escrito entre 1770 e 1777, época em que a autora esteve presa. A pesquisadora Christina Ramalho afirma que Teresa Margarida

“por certo sequer imaginara estar gerando, em pleno século XVIII, no âmbito da literatura de língua portuguesa, sementes de questões curiosas: a manifestação literária épica, com seus feitos grandiosos e heróis másculos e guerreiros, seria um canto vedado à autoria feminina? Que motivações, que inter-relações e que visão histórica haveriam que surgir para tornar concebível essa autoria? Por que esse canto épico somente no século XX passou a receber a atenção de autoras? Ainda refletindo sobre esses questionamentos, qual fora a ousadia de Teresa Margarida ao fazer uso dessa forma tradicionalmente nobre de criação literária? A resposta nasce de uma observação atenta da referenciação poética explícita desde o início de Poema épico-trágico.

A referência inicial a Homero e Virgílio ratifica tanto a intencionalidade épica de Teresa Margarida quanto sua coerência com as tendências estéticas neoclássicas da época, ainda que, em relação ao plano do conteúdo, a escritora tenha construído um discurso centrado em um “eu” de acentuada natureza pré-romântica. A ousadia, no entanto, fica por conta de esta ter assumido, em primeira pessoa, uma condição heróica que a punha no mesmo patamar de outros “heróis de cívicas empresas”, ou seja, a seu martírio particular, a autora deu relevância mítico-dramática, fazendo uso da mais clássica expressão literária para dar destaque à sua peculiar condição de exilada no Mosteiro de Freiras da Província da Beira, a mando do Marquês de Pombal. A autora, portanto, de forma pioneira, inseriu, através de seu texto, a história privada nos compêndios da tradição épica, cujo objeto de interesse sempre foram, e continuariam sendo, os chamados feitos e fatos grandiosos, todos eles, obviamente, embrionários da força física, coragem e inteligência masculinas. Da terceira estrofe em diante, clarifica-se sua real intenção: chamar a atenção das autoridades reais para a situação inusitada e duradoura: foram sete anos de confinamento em que se encontrava.” (RAMALHO, 200?)

Este Poema Épico-Trágico foi publicado somente em 1993, a partir de um manuscrito pertencente à Biblioteca José e Guita Mindlin.

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