terça-feira, 9 de junho de 2009

Fragmento de "O Uraguay" - Canto Primeiro

Fumam ainda nas desertas praias
Lagos de sangue tépidos e impuros
Em que ondeiam cadáveres despidos,
Pasto de corvos. Dura inda nos vales
O rouco som da irada artilheria.
MUSA, honremos o Herói que o povo rude
Subjugou do Uraguai, e no seu sangue
Dos decretos reais lavou a afronta.
Ai tanto custas, ambição de império!
E Vós, por quem o Maranhão pendura
Rotas cadeias e grilhões pesados,
Herói e irmão de heróis, saudosa e triste
Se ao longe a vossa América vos lembra,
Protegei os meus versos. Possa entanto
Acostumar ao vôo as novas asas
Em que um dia vos leve. Desta sorte
Medrosa deixa o ninho a vez primeira
Águia, que depois foge à humilde terra
E vai ver de mais perto no ar vazio
O espaço azul, onde não chega o raio.
Já dos olhos o véu tinha rasgado
A enganada Madri, e ao Novo Mundo
Da vontade do Rei núncio severo
Aportava Catâneo: e ao grande Andrade
Avisa que tem prontos os socorros
E que em breve saía ao campo armado.
Não podia marchar por um deserto
O nosso General, sem que chegassem
As conduções, que há muito tempo espera.
Já por dilatadíssimos caminhos
Tinha mandado de remotas partes
Conduzir os petrechos para a guerra.
Mas entretanto cuidadoso e triste
Muitas cousas a um tempo revolvia
No inquieto agitado pensamento.
Quando pelos seus guardas conduzido
Um índio, com insígnias de correio,
Com cerimônia estranha lhe apresenta
Humilde as cartas, que primeiro toca
Levemente na boca e na cabeça.
Conhece a fiel mão e já descansa
O ilustre General, que viu, rasgando,
Que na cera encarnada impressa vinha
A águia real do generoso Almeida.
Diz-lhe que está vizinho e traz consigo,
Prontos para o caminho e para a guerra,
Os fogosos cavalos e os robustos
E tardos bois que hão de sofrer o jugo
No pesado exercício das carretas.
Não tem mais que esperar, e sem demora
Responde ao castelhano que partia,
E lhe determinou lugar e tempo
Para unir os socorros ao seu campo.
Juntos enfim, e um corpo do outro à vista,
Fez desfilar as tropas pelo plano,
Por que visse o espanhol em campo largo
A nobre gente e as armas que trazia.
Vão passando as esquadras: ele entanto
Tudo nota de parte e tudo observa
Encostado ao bastão. Ligeira e leve
Passou primeiro a guarda, que na guerra
É primeira a marchar, e que a seu cargo
Tem descobrir e segurar o campo.
Depois desta se segue a que descreve
E dá ao campo a ordem e a figura,
E transporta e edifica em um momento
O leve teto e as movediças casas,
E a praça e as ruas da cidade errante.
Atrás dos forçosíssimos cavalos
Quentes sonoros eixos vão gemendo
Co’ peso da funesta artilheria.
Vinha logo de guardas rodeado
- Fontes de crimes - militar tesouro,
Por quem deixa no rego o curvo arado
O lavrador, que não conhece a glória;
E vendendo a vil preço o sangue e a vida
Move, e nem sabe por que move, a guerra.

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